“Esta estória começa com um miúdo
de 13 anos às voltas no jardim de casa dos pais e ainda a sonhar que vai ver um
jogo de futebol na televisão uma ou duas horas mais tarde. É Maio, um mês
mágico por causa das finais europeias de futebol, mas um Maio especial esse de
1983, porque, dessa vez, também o Benfica está numa final. É a primeira vez que
tal acontece desde que ele se lembra. O adversário é o Anderlecht, o poderoso
da Bélgica (com Morten Olsen, Coeck, Vercauteren, Vandenbergh e Lozano, “o espanhol”),
e o jogo de Bruxelas está quase a começar. Trata-se ainda da primeira mão da
final (na altura, a final da UEFA ainda se jogava a duas mãos), mas representa
a chegada de um momento muito ansiado.
O jogo era fora, está visto, mas para esse Benfica – e foi uma das maiores
alterações de mentalidade trazidas pelo treinador Eriksson – jogar na Luz ou
fora da Luz era quase indiferente. O Benfica tinha feito 10 jogos (com Bétis,
Lokeren, Zurique, Roma e Craiova) e ainda não tinha perdido nenhum! Ganhou seis
e empatou quatro. Em Roma fez mesmo um dos melhores jogos de sempre e ganhou
2-1 a uma equipa que ía ser campeã de Itália. Tinha jogadores como Falcão,
Prohaska e Bruno Conti, mas de nada valeu perante Carlos Manuel, Stromberg,
Chalana ou Filipovic. Vi esse jogo, ou melhor viu-o o tal miúdo, em casa de um
grande amigo de infância, o Rui, e só é pena que nesse tempo o vídeo gravador
ainda não fosse um objecto democratizado. Hoje interrogo-me: terá sido assim
tão fantástico o tal jogo de Roma? Mas tenho a certeza que sim, porque acredito
que aquilo que é certo é o que a nossa memória guarda para sempre. Quando os
factos são difusos, a memória, selectiva como é, desiste deles.
Há três dias que contava as horas. “Faltam 67 horas para começar o jogo” e
continuava a actualizar a aproximação ao seu grande momento, à volta das saias
de uma mãe já algo intrigada por tanta excitação. Não era fácil de entender, de
facto. Mas o Mundial de Espanha, um ano antes, tinha-o feito entender que o
futebol não se esgotava no campeonato português e que os efeitos internacionais
eram os mais valorizados. Não era por acaso que o Benfica era cotado como das
melhores equipas da Europa. Nesse ano ganhou o Campeonato, a Taça e… faltava a
UEFA.
De televisão ligada, a primeira
expectativa era a de saber se a RTP ia transmitir o jogo, se ia escutar os
acordes do “Hino da Alegria” por cima do símbolo da Eurovisão, para logo a
seguir ouvir a voz distante do enviado da estação pública, como agora se diz,
talvez a do Rui Tovar. Mas essa foi a hora da primeira desilusão. A RTP não
transmitiu e foi à volta do jardim, já a noite caía, que sofreu com o relato
(talvez de um desses que vieram a ser as suas referências mais tarde: David
Borges, António Pedro, Óscar Coelho…). Foi pela rádio que escutou o golo belga,
marcado por um dinamarquês chamado Brylle, e que soube que o Diamantino (ou o
José Luís, não estou bem certo) desperdiçou uma ocasião de baliza aberta. O
Benfica perdeu. Pela primeira vez nessa Taça UEFA. Mas foi só por um e eles
tinham que vir ao “Inferno”. E eu, ele, tinha de ir também.
Já tinha ido ver outro jogo dessa saga europeia, o da vitória mais folgada, de 4-0 sobre os suíços do Zurique. Acreditava que ia dar sorte outra vez. Era o tempo em que os estádios estavam sempre lotados quando o Benfica jogava. Entrava-se muito antes do arranque da partida, ao ponto do aquecimento dos craques, uma meia hora antes da hora marcada, já fazer parte do jogo. Nesse dia, terei entrado umas duas horas e meia antes, com o meu pai, como sempre acontecia (que nisto da clubite as influências familiares podem não ser as únicas mas são as mais importantes). Fiquei no Terceiro Anel, no antigo (na altura único) Terceiro Anel do agora também antigo Estádio da Luz. Andei de colo em colo quando o Benfica marcou, num excelente golo do Shéu, e sofri, como os outros 90 mil, quando Lozano, o tal “espanhol” do Anderlecht, marcou ao Bento. O silêncio foi imenso. Penso que todo o estádio sentiu, embora ainda estivéssemos na primeira parte, que os belgas íam levar a taça.
Já tinha ido ver outro jogo dessa saga europeia, o da vitória mais folgada, de 4-0 sobre os suíços do Zurique. Acreditava que ia dar sorte outra vez. Era o tempo em que os estádios estavam sempre lotados quando o Benfica jogava. Entrava-se muito antes do arranque da partida, ao ponto do aquecimento dos craques, uma meia hora antes da hora marcada, já fazer parte do jogo. Nesse dia, terei entrado umas duas horas e meia antes, com o meu pai, como sempre acontecia (que nisto da clubite as influências familiares podem não ser as únicas mas são as mais importantes). Fiquei no Terceiro Anel, no antigo (na altura único) Terceiro Anel do agora também antigo Estádio da Luz. Andei de colo em colo quando o Benfica marcou, num excelente golo do Shéu, e sofri, como os outros 90 mil, quando Lozano, o tal “espanhol” do Anderlecht, marcou ao Bento. O silêncio foi imenso. Penso que todo o estádio sentiu, embora ainda estivéssemos na primeira parte, que os belgas íam levar a taça.
Levaram a taça, mas não o encanto decisivo que o futebol tinha acabado de ganhar para mim. O futebol, o Benfica, aquele equipamento, aquele estádio. Depois disso consegui ser muitas vezes neutral – tenho a certeza – e profundamente lúcido nas opiniões que profissionalmente fui expressando. Acredito que continuarei a sê-lo sempre que tal for necessário, porque quando trabalho não admito valor mais alto que o da honestidade, o de ser sério para o público que nos vê, lê ou ouve. Em todos os outros momentos da vida sou do Benfica e, como cantava Luis Piçarra, isso me envaidece.”
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