sábado, 19 de janeiro de 2013

Armstrong e o doping no Ciclismo

É a história que se fala. Armstrong enganou a maioria das pessoas que se reviam nele como a pessoa perfeita.
Já na altura não era um fã muito grande do americano, o meu preferido era o alemão Jan Ullrich (sim, também ele tomou muita coisa), porque algo me dizia que não era normal aquilo do americano.
O ciclismo era diferente, eram médias da prova (Tour) a subirem de ano para ano, subidas como a de 'Alpez D'Huez' a serem feitas em menos de 40min no fim das etapas, a performance a melhorar de ano para ano e isto tudo no fim do século passado e inicio até meados da ultima década. Era o doping em força.

Já tive oportunidade de ler alguns capítulos do livro de Tyler Hamilton (outro que tomou tudo e mais alguma coisa) e é impressionante tudo o que se passava no ciclismo na altura. Lance Armstrong na entrevista que deu confirmou tudo aquilo que se suspeitava e que Hamilton falou no seu livro.

Deixo aqui alguns excertos do livro de Hamilton "In The Secret Race: Inside the Hidden World of the Tour de France: Doping, Cover-ups, and Winning at All Costs” com participação de Daniel Coyle.
Doping – "No inicio quando comecei (1994-1995) os rumores não me impressionaram tanto quanto a velocidade, a implacável, brutal, velocidade mecânica. Por exemplo Andy Hampsten estava conseguindo a mesma potência que no ano anterior, ano em que ele ganhou grandes corridas. Mas agora, produzindo aquela mesma potência, ele estava lutando para ficar entre os quinze primeiros."

Andy Hampsten (Vencedor do Giro em 1988) – No meio dos anos oitenta, quando cheguei, os ciclistas dopavam-se, mas ainda era possível competir com eles.
Eram, ou Anfetaminas ou Anabolizantes. Ambos eram poderosos, mas tinham lados negativos. Anfetaminas faziam os ciclistas ficarem 'estúpidos'. Eles lançavam ataques loucos, acabavam usando toda a energia. Os anabolizantes tornavam os ciclistas inchados, pesados, aleijavam a longo prazo, sem falar naquelas horríveis erupções na pele. Eles eram super fortes em tempo frio e em corridas mais curtas, mas nas longas e quentes corridas, os anabolizantes arrastavam eles para baixo. Então, resumindo, um ciclista limpo podia competir com eles numa grande corrida de três semanas.
A EPO mudou tudo. Anfetaminas e anabolizantes não eram nada comparados ao EPO.

Inicio do doping – “Neguei dopar-me por três anos. Via aqueles sacos pendurados (transfusão de sangue) que só os mais fortes usavam, como Hincapie e Ekimov. Aí entendi o que era correr a ‘pão e água’. Estava cansado, sem energia, desesperado. Foi então que o médico Pedro Celaya ofereceu-me Testosterona. Disse-me: ‘Não é doping, é para a tua saúde’. Pensei em recusar, voltar para casa e terminar a faculdade, mas acabei por aceitar. Após isso estava sendo promovido! Em final de 1998 me ofereceram então EPO (Eritropoietina). Era o sinal de confiança que a equipa precisava de mim para competir no Tour."

US Postal – "Tínhamos uns dois anos de vantagem sobre o que faziam os outros em termos de doping."

Os testes anti-doping – "Naquela altura os testes eram faceis de enganar. Nós estavamos muito, mas muito à frente dos testes. Eles tinham os seus médicos, e nós tinhamos o nosso, e os nossos eram melhores e mais bem remunerados, com certeza. Além disso, a UCI não queria pagar a certos médicos de qualquer maneira porque seria custar-lhes muito dinheiro."

A geração EPO – "Em 1998, eu e Lance éramos muito confidentes. Debatíamos quanto de EPO deveríamos tomar com certa frequência. Tínhamos um código e o chamávamos de Edgar ou Edgar Allan Poe. Ele tornou-se um completo refém e obcecado por doping e ficou preocupado e paranóico ao saber, três anos depois, que em 2001, seu principal rival Jan Ullrich treinava na África do Sul, onde tinham inventado um tipo de sangue sintético (Hemopure)."

Volta a França 2000 – "Antes do Tour de France de 2000, Armstrong e eu viajamos a Espanha para que o médico Luis García del Moral e o preparador físico José Martí tratassem nosso sangue para aumentar o nível de hemoglobina. O sangue era posteriormente transportado para os quartos de hotel dos ciclistas para que fossem reinjectados nos atletas."

Pantani – "Lance amava a lógica, enquanto Pantani corria com paixão e instinto. E Armstrong odiava esse modo de ser do italiano. Quando Pantani atacou no começo da etapa Courchevel-Morzine, no Tour de 2000, Lance ficou desesperado, fez a direcção da equipa ligar para o Dr. Ferrari. O médico então assegurou que naquele ritmo Pantani quebraria na última montanha e foi o que aconteceu."

Dr. Ferrari – "Ele era o nosso deus. Lance só falava nele. Ferrari era preocupado com a questão do peso, pois trabalhava com números, tabelas. Obrigava-nos a emagrecer. 'Você é gordo', dizia. Realmente só comecei a sentir os resultados quando emagreci. Depois que introduziram o exame que detectava EPO no Tour de France, ele pediu-nos cinco minutos para encontrar uma solução para o problema, e encontrou. A solução foi introduzir doses reduzidas de EPO diretas na veia. Ao invés de uma dose de 2000 unidades no intervalo de três ou quatro dias, passámos a inserir doses de 300 a 400 unidades diárias sem errar na veia. Para Lance era fácil, pois as veias dele eram bem visíveis."

Os controles positivos de Lance – Armstrong acusou positivo em 2 ocasiões, Tour de 1999 e Volta à Suíça de 2001. No Tour de 1999 acusou Cortisona que foi dissimulada com uma perscrição médica alegando que tinha sido dado um medicamento a Lance.

O jardineiro "Philippe" – "Depois do escândalo da equipa Festina, em 1998, tivemos que encontrar um novo sistema para levar o EPO para as provas. Então Armstrong chamou Philippe, o jardineiro de sua casa em Nice, e combinou um esquema com ele. Estávamos na cozinha de Lance quando ele explicou o plano: pagaria a Philippe para seguir o Tour com sua moto, levando garrafas térmicas cheias de EPO e um telefone pré-pago. Quando precisávamos de Edgar (EPO), Philippe entrava na caravana do Tour para uma entrega expressa. Simples, rápido. Uma ida e volta. Risco zero. Podia-se também encontrar connosco nas chegadas no meio daquela confusão toda. Como medida de discrição, Philippe só abastecia e entregava o material para os trepadores, os que tinham mais necessidade e aqueles a quem o investimento desse maior retorno, na altura, Lance, eu e Kevin Livingston. Depois, escondíamos as seringas dentro das latas de Coca-Cola e assim o médico podia sair com elas das tendas."

A ameaça para a equipa – "Antes do Tour da Suíça, em 2000, passei pelo teste do Dr Ferrari: 4km de subida a 9%, no monte Monzuno. Bati o recorde de Lance, mas meu índice de Ematocrito chegou a 49,5%, bem próximo do limite de 50%. Lance então sentiu-se ameaçado e disse: 'Achas que agora és o homem a ser batido?'. Foi então que Bruyneel nesse ano me obrigou a competir o Tour a 'pão e água'."

Os controles da EPO
– Hamilton confirma a utilização de um pó denominado "polvo", protease, uma enzima dobrada sob a unha e introduzida na corrente de urina para vencer o teste de EPO. Ele afirma várias vezes que Riis ajudou a refinar o seu horário de transfusão, e os médicos ajudado no engano dos controles de doping.

Bjarne Riis (outro que admitiu doping em 1996) – "Em 2002 fechei contrato com a CSC, onde Bjarne Riis me pediu para contar os segredos da US Postal. Contei uma parte. A CSC trabalhava com o Dr. Eufimiano Fuentes. Ele sugeriu-me usar o nome do meu cão para classificar as bolsas de sangue (transfusão), mas o meu cão era muito conhecido e decidi usar o número 4142, últimos números do telefone de um amigo. Ou seja, Riis estava ao corrente das praticas de dopagem no seio da equipa. Tentámos não falar muito ao telefone sobre isso, porque ele estava a passar por um período difícil. A polícia começava a envolver-se e falávamos disso quando nos víamos nas corridas ou nos treinos, mas não à frente de toda a gente. Não é fácil falar de Bjarne Riis, ele é uma excelente pessoa e fez muito por mim, todos esses anos foram anos felizes para mim. De certeza que não está contente com o que está escrito no livro, mas é a verdade e eu tenho o direito de dizer a verdade. Ele também deveria dizer, pelo bem do ciclismo."

Volta a França 2004 – George Hincapie, antigo ciclista da US Postal de Lance Armstrong, disse que, na Volta a França de 2004, a maioria dos ciclistas da equipa - da qual fazia parte o português José Azevedo - participaram numa transfusão de sangue colectiva no final de uma etapa. "A transfusão de sangue foi feita no autocarro da equipa no caminho entre o fim da etapa e o hotel. O motorista fingiu que havia um problema com o motor e parou numa estrada isolada durante uma hora, para que a maioria dos membros da equipa tivessem meio litro de sangue injectado. Foi a única vez que vi, praticamente, uma equipa inteira a fazer transfusões de sangue à vista de todos os outros ciclistas e do motorista."

2 comentários:

  1. Grande Post!!!

    Realmente só alguém muito ingénuo pode acreditar no "purismo" do ciclismo.

    Não deixa de ser triste/espantoso ler e tomar conhecimento destas práticas.

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  2. Acompanhei algumas coisas que foram sendo publicadas, sobretudo em Espanha, ao longo dos últimos anos, e sempre fiquei chocado: mas estas descrições são demais!

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